Projetos de Pesquisa – Saiba mais

Projetos de Pesquisa – Saiba mais

25 de setembro de 2023

O grupo encontra-se desenvolvendo o projeto de pesquisa intitulado “Parâmetros ético-jurídicos para a proteção dos neurodireitos humanos perante os avanços da interface neurociência/inteligência artificial: quando a tecnologia ameaça a dignidade humana”, que conta com o auxílio financeiro da Chamada CNPq/MCTI/FNDCT No 18/2021 (Edital Universal) e da Chamada CNPQ n. 14/2023 – Apoio a Projetos Internacionais de Pesquisa Científica, Tecnológica e de Inovação, bem como do Programa de Apoio a Equipes de Pesquisa da Vice-Reitoria de Pesquisa da UNIFOR (Edital 60/2022 e Edital 61/2023)

O objetivo do projeto é “Formular parâmetros ético-jurídicos para salvaguardar os neurodireitos humanos de modo a garantir um equilíbrio entre o irrenunciável respeito à dignidade humana e o imparável avanço da interface inteligência artificial/neurociência” e o período de execução começou em fevereiro de 2022 e vai até o 31 de março de 2025.

 

No primeiro ano de execução destacamos que a relação entre Neurociência e Direito não é nova. Borbón et al. (2020) ensinam que, em 1991, Taylor, Harp e Elliott (1991) publicaram o artigo “Neuropsychologists and neurolawyers”, no qual abordaram o surgimento de um novo ramo jurídico, o Neurodireito, fazendo referência, inclusive, a novos termos como “neuroabogados” ou “neurojuristas”, iniciando, assim, um novo campo jurídico de estudos.

 

Anos mais tarde, Meynen (2014) identificou três campos de abrangência desse novo ramo jurídico:
a) Revisão: direcionado a verificar a necessidade de reformar ou revogar normas vigentes ou determinadas práticas jurídicas, diante da capacidade da Neurociência de alterar comportamentos humanos;
b) Avaliação: criado para determinar os estados mentais do processado, da vítima, dos membros do júri e, inclusive, do próprio juiz;
c) Intervenção: ideado para alterar o comportamento de um processado ou preso por meio do uso da Neurociência.

 

Essa classificação mostra claramente o amplo campo de aplicação da Neurociência no Direito, podendo, inclusive, alterar toda a dinâmica jurídica. Para Fernández e Fernández (2010, p. 3), as pesquisas da Neurociência sobre a cognição moral e jurídica constituem uma verdadeira revolução com consequências profundas sobre a racionalidade jurídica, na medida em que podem “influir nas intuições morais da sociedade e nas obrigações percebidas […] de certos comportamentos, como o livre-arbítrio, a culpabilidade, a responsabilidade pessoal, a tomada de decisões morais e jurídicas, etc.”.

 

Face essa realidade, em 2017, Ienca e Andorno (2017) publicaram artigo intitulado “Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology”, no qual defenderam a necessidade de criar e reconceitualizar os direitos humanos de modo a proteger as pessoas do desenvolvimento da Neurociência. Desse modo, propuseram quatro novos direitos:
a) O direito à liberdade cognitiva: garante o acesso aos recursos da Neurociência e seus benefícios, bem como protege contra seu uso coercitivo ou sem consentimento;
b) O direito à privacidade mental: garante a segurança e privacidade dos dados obtidos pelo uso da Neurociência, cuja quantidade é potencializada quando se associa à Inteligência Artificial. Inclui a proteção dos dados obtidos diretamente do próprio encéfalo;
c) O direito à integridade mental: protege contra a possibilidade de a Neurociência alterar ou eliminar o controle sobre o próprio comportamento;
d) O direito à continuidade psicológica: preserva a identidade pessoal e a coerência de comportamento do indivíduo contra alterações não autorizadas do seu encéfalo.

 

Nesse mesmo ano, Yuste et al. (2017) publicaram o artigo “Four ethical priorities for neurotechnologies and AI” no qual discutiram os desafios em matéria de privacidade, identidade, acesso a tecnologias e possíveis vieses nos algoritmos, alertando sobre a necessidade de guiar seu desenvolvimento. Dois anos mais tarde, Yuste instituiu o centro de pesquisa denominado Neurorights Iniciative da Universidade de Columbia, da qual se tornou seu diretor. O Neurorights Iniciative (2019) propõe cinco novos neurodireitos humanos relativos ao uso da neurociência:
a) Identidade pessoal: protege contra a alteração do conceito que uma pessoa tem de si mesma;
b) Livre arbítrio: garante que as pessoas possam controlar suas próprias decisões, sem manipulações;
c) Privacidade mental: garante o sigilo dos dados, proibindo também sua venda ou transferência comercial, devendo existir uma legislação rigorosa sobre seu uso;
d) Acesso equitativo: garante o acesso de todas as pessoas às novas tecnologias de melhora da neurociência;
e) Proteção contra vieses algorítmicos: protege contra tratamentos discriminatórios decorrentes do uso de tecnologias da machine learning e da inteligência artificial;

 

Para a Neurorights Iniciative (2019), esses direitos devem ser incorporados em todas as legislações nacionais e internacionais sobre direitos humanos, incluindo a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

 

Contudo, Borbón et al. (2020) alertam sobre a necessidade de um maior debate acadêmico antes de alterar as legislações, especialmente no que se refere a dois neurodireitos que consideram problemáticos: o livre arbítrio e o acesso equitativo. Sobre o primeiro direito, os autores afirmam ser um conceito muito amplo, cuja delimitação vem sendo objeto de discussões desde os tempos de Platão, sem ainda existir consenso, mostrando ser um risco sua incorporação nas legislações por sua indefinição. Já em relação ao segundo direito, a preocupação gira em torno à alegação da necessidade de todos terem acesso às neurotecnologias de melhora sem fins terapêuticos, “En este debate, los límites entre la terapia génica (que corrige únicamente anomalías) y la ingeniería genética perfectiva o meliorativa, son difíciles de definir y su mal uso podría introducir a lo que Pareja llama una nueva-eugenesia” (BORBÓN et al. 2020, p. 152).

 

Por outro lado, impende observar que tanto a Declaração Universal de 1948, como a maioria das constituições do mundo, a exemplo da brasileira, assim como as legislações infraconstitucionais, incluindo os códigos civis, já protegem de forma expressa ou implícita os direitos à liberdade, igualdade, privacidade, identidade e integridade física e mental, sendo os neurodireitos especificações dessas categorias, estando, portanto, sua proteção garantida, sem esquecer, ainda, a existência de instrumentos que regulam as pesquisas científicas e a atuação dos profissionais da saúde.

 

Não se trata, entretanto, de negar a importância da previsão de novos direitos humanos especificamente voltados aos avanços da Neurociência, mas apenas de demonstrar que se trata de uma área cuja construção teórica-normativa é incipiente, e cuja complexidade exige o desenvolvimento prévio de parâmetros ético-jurídicos que sirvam de alicerces para sua correta aplicação, levando em consideração que o cerne de todo avanço científico deve ser o pleno respeito à dignidade de todo ser humano e o bem-estar social.

 

REFERÊNCIAS

BORBÓN RODRÍGUEZ, Diego Alejandro; Luisa Fernanda; LAVERDE PINZÓN, Jennifer. Análisis crítico de los neuroderechos humanos al libre albedrío y al acceso equitativo a tecnologias de mejora. Iets Scientia, Sevilla, v. 6, n. 2 2020.

Disponível em: https://idus.us.es/bitstream/handle/11441/111542/Ius_et_Scientia_vol_6_n2_10_borbon_rodriguez_et_al.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 4 ago. 2022.

 

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Manuella Maria. Neurorética, neurodireito e os limites da neurociência, 2010.

Disponível em: https://www.anpt.org.br/nossos-autores/artigos/164-neuroetica-neurodireito-e-os-limites-da-neurociencia?highlight=WyJhdGFodWFscGEiLCJmZXJuYW5kZXoiLCJhdGFodWFscGEgZmVybmFuZGV6Il0= Acesso em: 4 ago. 2022.

 

IENCA, Marcello; ANDORNO, Roberto. Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology. Life sciences, society and policy. [S, l] v. 13, n. 5, 2017.

Disponível em: https://lsspjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40504-017-0050-1 Acesso em: 4 ago. 2022.

 

MEYNEN, G.erben. Neurolaw: Neuroscience, Ethics, and Law. Review Essay. Ethical Theory and Moral Practice, Toronto, v. 17, n. 4, p. 819–829, 2014.

Disponível em: https://philpapers.org/rec/MEYNNE Acesso em: 4 ago. 2022.

 

NEURORIGHTS INICIATIVE. It’s time for neurorights. 2019.

Disponível em: https://nri.ntc.columbia.edu Acesso em: 4 ago. 2022.

 

TAYLOR, J. Sherrod; HARP, J. Anderson; ELLIOT, Tyron. Neuropsychologists and neurolawyers. Neuropsychology, v. 5, n. 4, p. 293–305, 1991.

Disponível em: https://doi.apa.org/record/1992-25630-001?doi=1 Acesso em: 4 ago. 2022.

 

YUSTE, Rafael et. al. Four ethical priorities for neurotechnologies and AI. Nature, London, n. 551, p. 159-163, 2017.

Disponível em: https://www.nature.com/articles/551159a#citeas Acesso em: 4 ago. 2022.