Desafios da interface Neurodireito e Inteligência Artificial
- Página inicial >
- Desafios da interface Neurodireito e Inteligência Artificial
Desafios da interface Neurodireito e Inteligência Artificial
Em outubro de 2022, durante o Seminário Internacional “Neurociência, Neurotecnologias e Direitos Humanos: Contribuições da Academia”, foi lançada a Rede Internacional de Neurodireito e Direitos Humanos, integrada por pesquisadores da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Universidad Austral de Chile (UACH) e Universidad Externado de Colombia (UExternado), que vinham desenvolvendo projeto de pesquisa financiado pelo Edital do Programa de Apoio a Equipes de Pesquisa no 50/2021da Vice-Reitoria de Pesquisa da Universidade de Fortaleza (VRP/UNIFOR) e pela Chamada CNPq/MCTI/FNDCT no18/2021, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Desde então, a Rede, sob coordenação dos professores: Dra. Ana Maria D’Ávila Lopes (UNIFOR), Dr. Felipe Ignacio Paredes Paredes (UACH) e Dr. Jose Julián Tole Martínez (UExternado), tem intensificado suas atividades. Assim, conquistou novos financiamentos, como o Edital do Programa de Apoio a Equipes de Pesquisa no 60/2022 da VRP/UNIFOR e a Chamada CNPQ no 14/2023 – Apoio a Projetos Internacionais de Pesquisa Científica, Tecnológica e de Inovação, bem como seus membros organizaram e participaram de diversos eventos acadêmicos e publicaram diversos textos científicos, incluindo uma coletânea com os trabalhos apresentados pelos palestrantes do Seminário realizado em outubro de 2022.
Nesta oportunidade, a presente obra reúne os trabalhos dos palestrantes do II Seminário Internacional, realizado de forma semipresencial nos dias 25 a 27 de outubro de 2023 na Universidade de Fortaleza, que teve como tema “Desafios da Interface Neurodireito e Inteligência Artificial”. A conferência de abertura foi proferida pelo Prof. Dr. Rafael Yuste da Columbia University e participaram mais de 30 palestrantes de diversas instituições brasileiras e estrangeiras.
A riqueza das temáticas abordadas nesse Seminário pode ser conferida nas seguintes páginas, que conta, também, com a participação de pesquisadores convidados. Para facilitar a leitura, a obra foi dividida em cinco partes.
A Primeira Parte, intitulada “A proteção do ser humano perante os avanços da ciência e da tecnologia”, abrange três textos, sendo o primeiro o da Profa. Dra. María Pía Chirinos da Universidad de Piura (UDEP) de Peru, que tem por título “Presupuestos filosóficos del Transhumanismo. Reflexiones en torno a la dignidad y la corporeidade” e no qual busca demonstrar ser um erro excluir a corporeidade humana do conceito moderno de dignidade, na medida em que, em tempos de avanços vertiginosos da Neurotecnologia, pode reforçar posições transumanistas, que concebem o ser humano como uma máquina tecnificada e, portanto, desumanizada. O segundo texto dessa Primeira Parte, intitulado “Bases filosóficas para el debate en torno a los neuroderechos en el marco de la teoría general de los derechos humanos”, é do Dr. Felipe Ignacio Paredes Paredes, Professor da UACH, no qual busca reconstruir o marco conceitual para a necessária reflexão filosófico-jurídica sobre o processo de regulação das novas tecnologias, especialmente da Neurotecnologia. O terceiro e último texto da Primeira Parte intitula-se “A importância da preservação da centralidade da pessoa, como garantia constitucional, na adoção de novas tecnologias pelo Poder Judiciário”. O autor é o Dr. Francisco Luciano Lima Rodrigues, Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) da UNIFOR e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em cujo trabalho objetiva alertar sobre a importância de manter a centralidade da pessoa humana no contexto da transformação digital do Poder Judiciário, haja vista os avanços tecnológicos, muitas vezes voltados para maximizar a produtividade, reduzir a burocracia e promover a integração de informações, esquecem das singularidades individuais, agravando as brechas sociais e aumentando a exclusão dos grupos em situação de vulnerabilidade.
A Segunda Parte do livro, “Os neurodireitos: avanços e desafios”, compreende seis textos. O primeiro é o da Profa. Patrícia Moura Monteiro Cruz, doutoranda do PPGD/UNIFOR, que junto com o Procurador do Estado do Ceará e aluno do Mestrado Profissional de Direito e Gestão de Conflitos da UNIFOR, Renato Vilardo de Mello Cruz, bem como com o Prof. Dr. Antonio Jorge Pereira Júnior do PPGD/UNIFOR, escrevem o artigo “As ICCS combinadas com IA e a construção do direito fundamental à convivência harmônica entre humanos e máquinas”, objetivando demostrar que ao associar as interfaces cérebro-computador (ICCs) com a Inteligência Artificial (IA), que emprega algorítmos autônomos de machine learning, as ICCs podem se tornar mais opacas e difíceis de controlar por parte dos usuários, colocando em risco os direitos do ser humano, especialmente os direitos à continuidade psicológica e à identidade pessoal. Nessa mesma linha, o Prof. José Octávio de Castro Melo, da Universidade Federal do Piauí e doutorando do PPGD/UNIFOR, discute, no seu texto intitulado “A Neurotecnologia e os direitos da personalidade: uma análise dos avanços e potenciais riscos do uso da interface cérebro máquina na autodeterminação da pessoa”, os impactos da interface cérebro-computador nos direitos da personalidade, com ênfase no direito personalíssimo da autodeterminação. O terceiro texto desta Parte do livro, “Neurodatos ¿cómo protegerlos? Necesidad de pensar en un nuevo paradigma”, é da Dra. Natalia Leonor Monti da Fundación Kamanau (Argentina). No texto, a autora conceitua os neurodados e analisa sua proteção a partir de uma revisão dos principais documentos internacionais sobre o assunto, bem como da doutrina sobre o direito à privacidade, a exemplo do emblemático artigo dos advogados norte-americanos Warren e Brandeis de 1890, e de jurisprudência recente, como é o caso chileno do dispositivo Insight da Empresa Emotiv. Já no quarto texto da Segunda Parte, “Corpo, neurotecnologias e dados neurais: o consentimento como parâmetro para preservar o direito à identidade”, que tem como autores os doutorandos da Universidade do Estado de Rio de Janeiro (UERJ), Carlos Henrique Félix Dantas e Régis Gurgel do Amaral Jereissati, busca-se demostrar a importância do consentimento do paciente para o uso de neurotecnologias, como forma de salvaguardar o direito à identidade. No quinto texto da Segunda Parte, intitulado “De la Neuroética empresarial a la responsabilidad de respetar los derechos humanos por las empresas de Neurotecnología: aportes del principio de precaución”, o Dr. Julián Tole Martínez, Professor da UEXTERNADO e Sahara Lucia Rosero Huertas, egresada da mesma Instituição, apresentam a evolução da ética empresarial até a neuroética, mostrando a necessidade de aplicar os mesmos parâmetros utilizados para proteger os direitos humanos às empresas de Neurotecnología, finalizando com uma análise do princípio de precaução e um diálogo com os “Principios Interamericanos en Materia de Neurociencias, Neurotecnologías y Derechos Humanos” aprovada pela Organização de Estados Americanos em março de 2023. O último texto da Segunda Parte intitula-se “El caso Girardi c. Emotiv INC. ante la Corte Suprema de Chile: ¿Un paso adelante en la protección de los neuroderechos humanos?”, do Dr. Sebastián Smart Larraín, Research Fellow in Access to Justice, Law and Technology na Anglia Ruskin University (ARU), e do Licenciado Esteban Oyarzún Gómez da UACH, que, após exaustiva análise, apontam as repercussões e desafios decorrentes da primeira sentença do mundo que reconheceu a proteção dos neurodireitos.
A Terceira Parte do livro, “Contribuições da Neurociência para a compreensão da Função Jurisdicional”, reúne três textos. No primeiro deles, intitulado “Intersecções da Neurociência: compreendendo melhor as decisões morais e legais”, os professores doutores Renato César Cardoso, Subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Murilo Karasinski, professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) exploram, desde a Neurociência, a forma como o cérebro humano fundamenta o processo de tomada de decisão moral, distinguindo-o do processo de tomada de decisão legal, especialmente da punição social, contribuindo para uma melhor compreensão sobre a função jurisdicional e seu necessário distanciamento da moral. O segundo texto desta Terceira Parte é do Dr. Tiago Gagliano Pinto Alberto, Professor da PUCPR e Juiz de Direito, Titular da Quarta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. No seu trabalho intitulado “Onde está Wally: a inadequada compreensão dos fatos a partir do Direito”, o Prof. Tiago mostra os desvios cognitivos que desvirtuam a leitura dos fatos de um caso, prejudicando a percepção da realidade e, portanto, a solução correta dos conflitos jurídicos. No último texto desta Terceira Parte do livro, “Los sistemas de inteligencia artificial en la administración de justicia y su impacto en los derechos humanos”, a Dra. María Concepción Rayón Ballesteros, Professora da Universidade Complutense (UCM) de Madrid, aborda os impactos da transformação digital no Direito, incluindo na prestação jurisdicional, com ênfase no campo dos direitos humanos.
A Quarta Parte do libro, “Neurotecnologia, discriminação e grupos vulneráveis” compreende três textos. O primeiro, intitulado “As pessoas com deficiência e o regime jurídico neuroprotetivo no Brasil”, é da Dra. Gabrielle Bezerra Sales Sarlet, professora do PPGD da Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul (PUCRS) e do doutorando Lucas Reckziegel Weschenfelder do mesmo Programa, objetiva analisar o marco normativo de proteção dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil no atual contexto que denominam tecnoautoritário, caracterizado por avanços neurotecnológicos que podem acirrar ainda mais a discriminação contra esse grupo de pessoas, considerando sua situação de vulnerabilidade. O segundo texto da Quarta Parte, é da Dra. Ana Maria D’Ávila Lopes, Professora Titular do PPGD/UNIFOR e da bolsista de iniciação científica do Edital no 60/2022 VRP/UNIFOR, Sâmia Oliveira dos Santos, em cujo texto intitulado “A interface neurotecnologia/inteligência artificial e seus impactos nas tecnologias assistivas para pessoas com deficiência auditiva”, analisam as contribuições das neurotecnologias no campo das Tecnologias Assistivas (TAs) voltadas especialmente para as pessoas com deficiência auditiva, evidenciando a necessidade da sua urgente regulação, tendo em vista que, além de benefícios, esses avanços trazem também riscos aos neurodireitos desse grupo em situação de vulnerabilidade, tendo em vista sua incidência na função cognitiva. O terceiro texto da Quarta Parte, tem como autora a Dra. Denise Almeida de Andrade, professora do Mestrado Acadêmico em Direito do Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS), que, junto com as mestrandas Aline Evaristo Brígido Baima e Carla Renata Barbosa Araújo, escreveram o trabalho “A face invisível da inovação, desafios da Neurotecnologia e do Neurodireito no século XXI: uma análise a partir da discriminação algorítmica”, no qual questionam a falsa neutralidade algorítmica, no intuito de evidenciar novas formas de discriminação, a exemplo da discriminação algorítmica de gênero.
A Quinta Parte do livro, “Neurociência e Democracia na Era Digital” reúne dois textos. O primeiro, “A livre manifestação do pensamento no cenário da Neurotecnologia: a proteção ao pensar como proteção do pluralismo político” tem como autora a Dra. Camila Pintarelli, Procuradora do Estado de São Paulo. Nesse texto, a autora objetiva debater os riscos que os avanços neurotecnológicos, aliados à Inteligência Artificial, podem trazer à liberdade de pensamento, dada a possibilidade de poderem acessar e até de interferirem no pensamento ainda antes da sua exteriorização, podendo comprometer o pluralismo político e, consequentemente, o regime democrático. No segundo texto, “A psicologia da Democracia na Era Digital”, que tem como autor o Dr. Carlos Marden, Professor da UNICHRISTUS e Procurador Federal, busca-se apresentar algumas noções teóricas sobre Psicologia Comportamental e Neurociência, com o objetivo de demostrar que o modelo ocidental de democracia pressupõe uma racionalidade não compatível com o funcionamento da mente humana sendo, portanto, necessário realizar alguns ajustes com a finalidade de resgatar a natureza dialógica do sistema.
A Sexta Parte do livro, “Impactos dos avanços neurotecnológicos nas relações trabalhistas”, abarca dois textos. No primeiro texto, “La era del panóptico neurotecnológico: principales desafíos del derecho del trabajo para la regulación de los neuroderechos laborales por parte de la OIT”, o Dr. José Antonio Iglesias Cáceres, professor da Universidad de la República (UDELAR) de Uruguai, alerta sobre o uso de neurotecnologias para a vigilância de trabalhadores, bem como para o acesso dos seus dados neurológicos e comportamentais, com potenciais riscos para a privacidade mental desses indivíduos. Nesse sentido, faz um chamado para que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) regule urgentemente as neurotecnologias aplicáveis ao campo trabalhista, de forma a proteger os neurodireitos laborais, os quais devem ser considerados direitos humanos fundamentais de todo trabalhador. O segundo texto da Sexta Parte do livro, “Neurodireitos e proteção da privacidade no contexto da monitorização cerebral no ambiente de trabalho com tecnologias de IA”, escrito pela Dra. Aline Passos Maia, Professora do Centro de Ciências Jurídicas da UNIFOR, em coautoria com a doutoranda em Administração da UNIFOR, Larissa Maciel do Amaral, e da doutoranda em Direito da Universidade de Lisboa (ULISBOA), Raquel Passos Maia, segue a mesma linha do anterior texto. Assim, as autoras, defendem a necessidade de formular um novo neurodireito, direcionado especialmente a proteger os trabalhadores diante dos avanços das neurotecnologias, especialmente aquelas com fins de monitorização cerebral.
São esses os trabalhos reunidos na presente obra que mostram como a Neurotecnologia, potencializada pela Inteligência Artificial, continua se desenvolvendo a um ritmo e formas inimagináveis.
Não é, entretanto, objeto do presente livro, assim como não foi do anterior, defender deter o desenvolvimento científico e tecnológico, mas de regulá-lo de modo a manter todo ser humano como o início, o centro e o fim de todo agir, sem totalizações que neguem as singularidades da diversidade humana, mas também sem individualizações discriminatórias que hierarquizem a sociedade e coisifiquem o ser humano.
Ana Maria D’Ávila Lopes
Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIFOR
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
Coordenadora da Rede Internacional de Neurodireito e Direitos Humanos